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O autocarro partiu. E a rua esvaziou-se. No preciso momento em que as sombras se começavam a encurtar pelo passar da manhã. Agora resta o homem do quiosque que arruma os jornais. E os velhos do café que esperam a hora do almoço, ou outras horas de solidão. Há também um homem sentado na berma do passeio. Não é um pedinte. Mas canta uma lengalenga sem sentido. O homem do quiosque manda-o calar. Chama-o pelo nome. O homem levanta-se e resmunga. Vai para casa, Gregório. Repete o homem do quiosque. Que sabe que ele não tem casa. Só uma caixa de cartão com umas mantas que estende em frente ao armazem dos tapetes. Uma mulher e uma criança aproximam-se da paragem. Ele segue-as. A mulher evita-o com olhar. Está incomodada. Vai para casa, Gregório. Ele encolhe os ombros e pede qualquer coisa à mulher. Tem o rosto muito proximo dela. A mulher retrai-se com medo. Um medo semelhante ao que tem de cães. Puxa a criança para si. Ele repete a pergunta. Mas as palavras não têm sentido. A mulher olha para fim da rua. Ao fundo o autocarro aproxima-se. O homem também. A mesma pergunta sem sentido. Irritado encolhe os ombros. Apanha uma beata do chão e mete-a na boca. Finge que fuma. Vai para casa, Gregório. E ele desce a rua até ao armazem. Senta-se nos cartões com a sua beata na boca. O autocarro passa. E a rua esvazia-se de novo.

5 comentários:

Isabel J. disse...

Tadinho do Gregório, que só espera uma resposta! ;)
Muito bom, como sempre :D

MMS disse...

Muito, como sempre :)
(desculpa ter-te imitado Isabel, nas palavras) :)

CNS disse...

Meninas:

Obrigada
Obrigada
(sem copy paste ;) )

pbc disse...

A solidão dos outros é muitas vezes filha da nossa indifernça.

CNS disse...

Sem dúvida, Pedro. Bj