Lembra-se de sempre ter vivido ali mas também nunca perguntou como chegara. Os antigos, que foram entregando ao mar as suas vidas à medida que a velhice lhes esvaziava o tempo, disseram que a descobriram, ainda bebé, numa concha encostada às rochas da falésia que encobriam o sol forte do meio dia. Alguém a deixou ali mas nunca ninguém voltou para a ir buscar. Para a vir reclamar, para dizer Estou Aqui, Já posso levar-te. Com o tempo deixou de esperar que alguém viesse. Deixou de atentar em todos os barcos que apareciam no horizonte, de esperar para ver quem deles saía quando era para terra que navegavam. Quando adolescente, numa das crises que só o mar conseguia serenar, decidiu sem volta que tinha nascido na tal concha onde os antigos a encontraram, que não tinha brotado de ninguém, de amor algum, ou sequer de dois corpos enrolados na praia apenas enquanto durou a maré cheia. Tinha nascido do mar. Quis nessa altura que deixassem de a chamar Alice, nome que os antigos tinham escolhido, e a passassem a chamar Estrela, Estrela do Mar. Rebaptizou-se quando deixou de esperar pertencer a alguém. Quando passou a contar com ela própria sem se fiar num passado de que não se lembrava. Não contava os anos, não sabia a data do aniversário, mas a partir de certo dia, deixou de crescer. Embora ela fosse alta, muito alta, pelo que não é uma questão de altura aquilo que vos conto. Deixou de envelhecer, vamos dizer assim. Percebeu isso quando os que eram novos como ela passaram a ser antigos e a entregar as suas vidas no mar. Ela foi ficado sempre, perdida na conta dos anos que nunca contou porque ela só a ela pertencia. De cada vez que alguém novo chegava, atraído pela quietude da vida na praia, ela recolhia às rochas. Às vezes passava lá meses, anos, tempos sem fim, à espera que os novos envelhecessem, entregassem a vida no mar, ou simplesmente se fartassem antes desse dia chegar e voltassem à vida de sempre. Mas aquele rapaz não. Não havia meio de envelhecer ou se fartar. Por isso ela costumava espreitá-lo por entre as rochas, todas as noites, quando o sono tardava em chegar. Saía de mansinho e aproximava-se para o observar, para perceber de onde vinha, quem ele era, o que procurava na praia que era dela há tanto tempo. Um dia ele abriu os olhos enquanto ela o olhava e perguntou-lhe quem era. Ela disse: Sou a Estrela do Mar.
Sou a estrela do mar
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim...
Ele não voltou à praia. Nunca teria aquilo que procurava ali.
(afinal ela não esperava ninguém, nunca deveria ter vindo buscá-la)
*com base na música de Jorge Palma
4 comentários:
Se ele a conhecesse como Alice, se calhar tinha voltado. Porque a Alice esperava alguém... :)
Mt bom Marta, como sempre!
:*
Obrigada, Isabel, Mesmo :)
Se calhar tinha voltado, sim. Mas ela já não era Alice há muito tempo :) Já nem ela se lembra de há quanto.
Beijo grande, querida
A espera só por si pode ser um poema. Cheira a tempo. Daquele que que corre à beira mar, Marta. E eu gostei. Gostei muito, mesmo :))
Obrigada, Cristina :)
Muito mesmo :)
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