Deixa estar o avô. Deixa-o dormir. E ela ficava sentada olhando a porta entreaberta. Não faças barulho. Lá dentro o vulto recortava a penumbra. Debatendo-se com o ar que já não tinha. Deixa estar o avô. E o avô definhava. Ficava cada vez mais pequenino. Mais perdido debaixo das mantas de rosetas de tricot. Vou-te levar à serra. Dissera-lhe naquela manhã. Na serra sopra um vento quente que canta nas urzes. Que cheira a tomilho e flor de laranjeira. E dera-lhe um pequeno frasco de rolha de cortiça. Para guardares o vento. Para que respires sempre de braços abertos. Sempre. Ela ajoelhara-se no lapiás e guardara todo o vento quente que pensou caber dentro daquele vidro azulado. Deixa estar o avô. Ouvia-lhe o respirar morno pela porta entreaberta. Entrou devagarinho. Sem que a vissem. O avô abriu os olhos. O peito afundava-se sem ar. Abre os braços avô. Disse, enquanto os afastava docemente do corpo magro. Abre os braços avô. Repetiu enquanto tirava a rolha de cortiça do frasco. É o vento da serra. Para que respires sempre de braços abertos. E o avô quase-sorriu. Imediatamente antes da mãe entrar no quarto. Eu disse-te para deixares o avô dormir. E o avô adormeceu. De braços abertos. Já sem respirar.
( Missão cumprida, Isabel ;) )
3 comentários:
Que bonito, Cristina!
E sim, parece que há muito de avós e mensagens a reter, no vento da serra. Foi bom ler-te!
Obrigada, Marta.. :))
Os avós são generosos nas mensagens que nos passam. Com ou sem frascos.
bj
Bonita homenagem aos ventos soprados pelos nosso igrejos avós que guardamos no coração.
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