Cidade Grande

Era uma vez três velhos; A casa, a velha e o cão. A casa, jaz, morna e seca, tortura a velha e ameaça o cão. A velha, jaz, curvada ao passado e despida de futuro, dói-lhe a casa enquanto afaga o cão. O cão, jaz, cego e trôpego, entretido pelos sons da voz da velha e da velhice da casa.
A casa ostenta as memórias empoeiradas da velha e o cheiro do cão. A velha murmura infinitamente ao cão as histórias de cada destroço da alma e da casa. O cão suspira cansado da voz da velha e do ranger da casa.
A velha pensa: Se cai a casa onde vou morar com o meu cão? Se morre o cão com quem hei-de conversar?. O cão pensa: Se cai a casa morro eu e a velha, se morre a velha morro sozinho em casa, se saio de casa onde vou cego e sozinho?. A casa não pensa.
O cão deita-se aos pés da velha que murmura a história da casa prestes a desabar. Era uma vez três velhos à espera que o tempo passe, esgote o passado, e o presente teimosamente adiado finalmente aconteça. Nesse dia, sobre os despojos da casa, o corpo da velha e os restos do cão talvez haja visitas. Nem que seja a do senhorio dando graças por finalmente poder vender o terreno onde antes havia uma casa, a da vizinha que sempre se interrogou sobre quem moraria ali, mas nunca visitou a velha, ou simplesmente, a do funcionário da câmara para remover os restos do cão.

3 comentários:

MMS disse...

Gostei da sequência :)e da maneira como lhe deste um fim que mostra como se vive: sem olhar à porta ao lado, à janela, ao vizinho. só a retirar interesse dos escombros. Bom fim-de-semana, Pedro. Para as meninas também :)

CNS disse...

As casas não pensam. Mas se o fizessem... ai se o fizessem.

Gostei muito desta estória em circulo, Pedro.

bom fds

Isabel J. disse...

Se a casa pensasse, talvez se tivesse aguentado mais um bocadinho...

História triste, mas muito bonita.

Boa Pedro!

Bom fim de semana para todos.

:*