Folhas soltas de um diário inexistente ( I )

(....vejo-o definhar a cada dia que passa e quando no outro dia, não pôde ocultar que a doença o traía e se consumia em tremores horrendos e dolorosos, ali na minha frente, senti medo. Sim é verdade, não perdeu essa eterna serenidade com que ilude a própria vida, limitando-se a um breve – Lá está esta merda outra vez -, como se fosse normal o sarcástico encurtar dos espaços entre a última, esta e a próxima vez. Respeito-o, por isso aceito o pacto de silêncio que me propõe e ali ficamos como sempre a comentar a vida dos outros, como se de um jogo se tratasse. Vejo-o partir e já faço planos para o próximo telefonema, para o próximo encontro. Perco-me em devaneios sobre o que quero dizer-lhe, o que vou realmente dizer-lhe, o que deveria ter-lhe dito mas não me lembrei, não fui capaz ou simplesmente achei que não valeria a pena. Ao vê-lo partir, apenas conservo uma constante no pensamento: - Amanhã, quando, como em todas as manhãs, me cansar de contar o tempo, vou telefonar, e aí, por favor, promete que vais lá estar, nem que seja só para isso mesmo, para me dizeres que ainda estás lá.)

4 comentários:

CNS disse...

Um dia a ausência irá quantificar-se em palavras que ficaram por dizer.
Este teu texto tocou-me particularmente, Pedro.

via disse...

A perda é uma espécie de absurdo, perder quem amamos parece não ter sentido. gostei muito do texto.

manhã

Isabel J. disse...

Texto excelente, Pedro. :)
Às vezes também me canso de contar o meu tempo.

Anónimo disse...

Fabuloso! o tempo que ao invés de contar, dediquei a esta leitura.

Andreia