Gymnopédie

Posso pensar num dia  cinzento. Cheio de chuva miúda e de guarda-chuvas. Azuis. Mas neste acorde há um cor de malva. Que atravessa em passo apressado a rua inundada de sons molhados. A pausa faz-me pensar numa espera. Porque as esperas dão sempre boas estórias. Toda a gente espera alguma coisa. E sempre do outro lado. Da rua. Da janela. Da vida. Há alguém que espera. Sentado na mesa da janela. De um café de toldo amarelo. O guarda-chuva cor de malva está do outro da rua. Na mão de uma mulher de gabardine preta. Ele acena-lhe. Ela não vê. Apenas porque os acordes agora são simples. Como um rosto distraído. De olhos pousados nas cores da camisola do homem das castanhas. Pausa. O homem do café suspira. E acena-lhe de novo. Não sei se sorri, porque está de costas. De rosto voltado para a janela. Ela atravessa a rua, por entre dois chapéus de riscas. Pausa. Pára à porta do café. Sacode o chapéu. E os olhos verdes escorrem nas sombras do café. Sorri para o homem da mesa da janela. Cinco passos e um sorriso, enquanto afasta os cabelos humidos do rosto. Senta-se. O dia pára do outro lado da janela. A chuva não. Trocam algumas palavras. A Gymnopédie termina. Não os oiço. E os seus vultos esbatem-se. A estória ficou por contar no último acorde.




* Gymnopédie nº1 - Erik Satie.



5 comentários:

CNS disse...

Gosto muito de Erik Satie. E pensei na quantidade de estórias que já escrevi ao som da música dele.

Missão cumprida, Isabel. :)

Isabel J. disse...

Yes!! :D
Portamo-nos todas mt bem :)

Esta tarde vou ouvir Erik Satie, pois não conheço :S

E agora? Mais desafios ou pausa? ;)

:*

MMS disse...

Cristina,
as esperas são sempre tão musicais :) Gostei muito :)

Mais desafios, por mim :) Parar é que não :) e por vocês?

CNS disse...

Isabel:

Espero que gostes :))

Sobre os desafios acho que vou reciclar um ;)

bj

CNS disse...

Martita:

:))

Sai mais um desafio para o blogue do canto ;)