Sabes? Sempre quis ter uma viola e um gato. Sim, eu sei que não sei tocar. E que também não gosto de gatos. Mas gostava. De ter uma viola. Para tocar aquela música na varanda do meu quarto, com o gato enroscado nos pés. Qual varanda? A do prédio onde eu viveria com o meu amante. Escritor. Porque te ris? Sim, eu não gosto de ler. Mas podia gostar se ele escrevesse coisas para mim. Eu tocaria viola com o gato enroscado nos pés enquanto ele escrevesse. À máquina. Como aquele escritor que viveu no sopé do Kilimanjaro. E ali ficaria ele por detrás do som seco do carreto, numa secretária perto duma janela frondosa. De onde se veria uma dessas ruas cujas árvores ficam douradas no Outono. Não, melhor, daquelas com flores cor-de-rosa na Primavera. Como é que ele se chamaria? Isso não interessa. As pessoas não precisam de ter nomes nos sonhos. Conhecemo-las pelas frases que sonhamos ouvi-las dizer. Pelos olhares meigos, que uns dias são azuis, noutros cor de avelã. Não precisamos de nomes quando sonhamos. Nem nós. Porque quando sonhamos deixamos de ser nós. Até o nome despimos. Respiramos de braços abertos. Aliviados. Porquê? Porque nos sonhos sabemos. Que no fim da deriva há sempre alguém na margem. Que até podemos ser nós. Ou não. Apenas alguém que nos quer bem. E por isso eu gostava de ter uma viola e um gato. Enroscado nos pés.
04/01/2009
2 comentários:
Bonita short story
Parabéns
Que no fim de cada deriva tua haja sempre alguém na margem...
Obrigada, Pedro. :)
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