Todas a sextas de manhã era o mesmo. O corpo doía-lhe da pancada que ele lhe dava depois de se servir do corpo dela. Aliviava a raiva nela, de todas as formas que o corpo lhe permitia. Porque o fazia num silêncio ressentido que nela deixava nódoas negras ainda maiores. E mal havia luz do dia, ela levantava-se devagarinho e sem gemer. Para não o acordar. Para não o ver chorar e prometer-lhe que não voltava a acontecer. Preferia a pancada e o corpo rígido sobre o dela. Lavava-se, vestia-se e corria para a sapataria que ficava em frente à repartição de finanças onde trabalhava. E lá estavam eles. Vermelhos, sem preço. Que as coisas que nos descansam os olhos não têm preço, dizia ela. E onde ias tu com uns sapatos daqueles, mulher? Perguntava-lhe a colega gorda e de cabelo oleoso, que estava na tesouraria. Até ao fim do mundo, respondia. Porque só o fim do mundo fica suficientemente longe daqui.
Até que numa sexta feira, daquelas sem movimento, uma mulher que já fora bonita pediu-lhe baixinho a guia para pagar o selo do carro. Ela levantou os olhos do teclado do balcão e viu-lhe o rosto negro e amassado, que tentava desesperadamente dissolver-se na madeira do balcão. O meu homem zangou-se por eu ter deixado passar prazo. Fez um sinal à colega gorda e oleosa da tesouraria. Um sinal com a mão, porque o nó da garganta não a deixou falar. Para que ficasse no lugar dela um bocadinho. E saiu disparada até à loja da frente, onde comprou os sapatos em troca da aliança. Nem se quis ver ao espelho com eles calçados. Disse o dono da sapataria. E também não disse para onde ia. Mas não deve voltar.Que os sapatos lhe serviam como uma luva.
Até que numa sexta feira, daquelas sem movimento, uma mulher que já fora bonita pediu-lhe baixinho a guia para pagar o selo do carro. Ela levantou os olhos do teclado do balcão e viu-lhe o rosto negro e amassado, que tentava desesperadamente dissolver-se na madeira do balcão. O meu homem zangou-se por eu ter deixado passar prazo. Fez um sinal à colega gorda e oleosa da tesouraria. Um sinal com a mão, porque o nó da garganta não a deixou falar. Para que ficasse no lugar dela um bocadinho. E saiu disparada até à loja da frente, onde comprou os sapatos em troca da aliança. Nem se quis ver ao espelho com eles calçados. Disse o dono da sapataria. E também não disse para onde ia. Mas não deve voltar.Que os sapatos lhe serviam como uma luva.
4 comentários:
Que bela dança que nos leva até ao fim do mundo :D
Gostei muito Cris! :D
:*
A dançar até lá; Isabel. O que uns sapatos vermelhos não fazem na vida de uma mulher ;)
Os sapatos vermelhos de uma nova vida. gostei muito, muito Cris :)
Para irem pela estrada de tijolos amarelos fora :))
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