o mapa do costume

Nunca soube o caminho para a casa da minha mãe apesar de sempre ter conseguido chegar antes da missa começar todo o santo domingo. Nesses tempos não havia GPS mas acreditem que pouca diferença teria feito por não se tratar de uma questão de orientação, antes um absentismo de afectos que ela cultivou como um jardim durante a minha infância e juventude. Não eram tempos fáceis, em que faltava o pão para a boca, mas na casa dos vizinhos ouviam-se risos e brincadeiras que substituíam na perfeição o arroz de feijão, que lhes faltava na mesa tanto quanto a nós. Talvez mais, apesar da minha mãe jamais o ter admitido. Para o que ela tinha mesmo jeito era para apontar o dedo ao meu pai, caído sem jeito nem proveito no sofá depois de cada matiné de copos com o Abílio e o Ja’quim na tasca do costume. O meu irmão não saía da cama, preso a uma poliomielite aguda que o imobilizou para a vida mas nunca lhe tirou o sorriso – não sei como mas diz que a estrutura emocional de cada um explica isso e eu acredito. E olhem que há poucas coisas em que eu acredito. Em mim, por exemplo, nunca acreditei. Nem nos caminhos que sempre me levaram onde os outros queriam que eu estivesse mas nunca onde eu realmente quis estar. Nunca me perdi ou equivoquei com os sinais de trânsito mas na realidade nunca consegui entender os meus próprios sinais. Nem os dos outros em relação a mim. Casei com o Alberto depois de muita insistência da parte dele – que me seguia na rua e mandava flores e cantava sonatas desafinadas no meio da rua – mas acabei com as malas à porta depois de um jantar de amigos em que me acusou de o enganar. Nunca lutei pelo que quis porque nunca soube o que era. Sou florista porque a dona Rosa me empregou num Verão e me aceitou sem data de fim na pequena boutique recheada de peónias. Sou assim porque nunca me mostraram o caminho, porque nunca ninguém acedeu dar-me a mão na descoberta do meu rumo – hoje sei isso. mas já não conduzo.

3 comentários:

CNS disse...

Há caminhos assim. Só com ponto de partida. Depois só divergem para parte incerta.

Gostei muito deste "caminho", Marta. :)

MMS disse...

Obrigada, Cristina :)
Beijinho grande :)

Isabel J. disse...

Marta, mt bom :)
Os desvios da vida são cheios de tropeções...


É sempre bom ler-te, mesmo de maneiras diferentes...

:*

PS - Desculpem andar desaparecida, mas agora só acalmo na próxima semana :S