O gato era eu aka Mote I, Take II
Havia sempre um gato nos meus sonhos. Um gato perdido à beira da estrada, à beira do rio, à beira do abismo: curiosamente nos sonhos eu estava sempre nesses sítios, também perdida, também sempre à beira de qualquer coisa que nunca percebi. O meu analista, psicólogo, consultor emocional - o que queiram - disse-me um dia que o gato era eu. O gato perdido, sempre à beira, sem coragem para saltar para um lado ou outro, era eu. Foi preciso chegar aos 60 anos para descobrir que era o gato dos meus sonhos. Foi preciso chegar aos 60 anos para me decidir a pôr um animal doméstico dentro de casa e a dedicar-me a ele com tudo o que sou e tenho e consigo. Tornei-me uma especialista em espinhas de peixe, em patés de lata, em sacos mal cheirosos de areia para o Tim. O meu analista, psicólogo, consultor emocional – o que queiram - cancelou-me as sessões quando lhe disse que ia arranjar um gato para me conseguir ver ao espelho. Para me conseguir encontrar, embora essa parte não lhe tenha chegado a dizer porque ele não me recebeu, nem a secretária, antes tão solícita e simpática e Ai que está tão magra, Ai que colar tão giro que hoje traz, me devolveu as chamadas. ‘Amália, só volta aqui quando deixar de ser tão literal’. Para mim foi um elogio: toda a vida fui romântica, passional, subjectiva, complicada. Pela primeira vez fui linear. O Tim agradece-me com beijos de gato no nariz. Nunca nenhum homem me beijou o nariz e isso parece-me um bom sinal. Também nunca tirei nenhum homem da rua e o lavei com tanto empenho que depois de seco com a toalha ofuscava os móveis. Talvez fosse isso. Estamos juntos há três anos, eu e o Tim. Três anos de cortinas rasgadas, de bibelots partidos, de arranhões nos calcanhares. Ainda não descobri o sentido da nossa convivência. Ainda não percebi em que beira estou, para que lado vou cair, quem é que me agarra depois. Continuo a sonhar com gatos perdidos como antes. Talvez mais do que antes até. Mas gosto. É sinal de que há coisas muito certas – e quem sou eu, Amália de Jesus Caixinha, para me meter nisso?
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5 comentários:
meninas,
desculpem chegar mais cedo mas amanhã vou estar todo o dia fora em trabalho!
:) E obrigada pelos desafios que me vão propondo e desafiando a fazer. Tenho aprendido muito :)
ADOREI Marta :D
Muito, muito bom...Já qs me vejo com 60 anos e um Tim só para mim.
Sim, pq eu,como não gosto de espelhos, prefiro ver-me espelhada ;)
Bom trabalhito! E já sabes q o próximo desafio terá de ser teu, eheehheeh
:*
Gosto das tuas velhotas, Marta. Mesmo muito.
Tenho de arranjar um espelho peludo desses.
Mto bom!
:) Obrigada, Cristina!
Vou sempre parar às velhotas porque aquilo que admiro nelas é aquilo que um dia quero ter: milhares de histórias para contar com os olhos, com as mãos, com o corpo todo. E as velhotas falam com tudo e são hábeis contadoras (tenho tido a sorte de conhecer muitas em trabalho)das realidades que viveram. Beijinhos, querida
Isabel:
Obrigada querida!
E sim, já tenho desafio, à espera de entrar :) :)
beijinhos e obrigada MESMO
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